quinta-feira, 19 de abril de 2012

O mito da Medusa


Discutir um pouco sobre a mortalidade da Medusa é, no mínimo intrigante, porque só ela entre as irmãs era mortal. Carregar a marca da mortalidade em sua natureza parece ser paradoxal entre os deuses, uma vez que surge naturalmente o clássico problema: Que te parece pior ou melhor, viver como um deus entre os homens ou como um homem entre os deuses? Parece-me que a questão da mortalidade de Medusa guarda esse problema. Mesmo não participando do mundo dos deuses e de seus privilégios por serem mais poderosos e gozarem da imortalidade, enfim, Medusa tem um poder que é dado a ela, o de assumir com autoridade as medidas apropriadas. Só ela é mortal, mas só ela também é Górgona, pelo menos em tese, pois se serve de um olhar habilidoso, feminino e terrível que petrifica, que mede e que julga. Ela Joga sobre nós o peso da mortalidade, transformando-nos em pó, mas também nos proporciona um alívio através do olhar cortante de morte. A morte também é bela e indica libertação, pois para Sócrates, bem mais tarde, a filosofia é um exercício para a morte. A morte segundo Sócrates, no Fédon, é um misto de prazer e dor. Aqui já estou conjecturando e nessa linha não vejo o que é pior nem o que é melhor, mas vejo a cara da força da vida que precisa de cuidado e de reflexão. A mortalidade não é obstáculo algum para o grego, mas superação de seus limites através dos jogos, das guerras, onde os heróis buscam assemelhar-se aos deuses com as suas conquistas, as glórias e a honra em perpetuar um nome. Talvez, para Medusa, a mortalidade não traga tanto enfado quanto a imortalidade para um deus. Independentemente das narrativas históricas que envolvem a figura de Medusa, o que mais me impressiona nela é sua autonomia frente aos homens e aos deuses, pois era temida. Os que são temidos geralmente sentem-se ameaçados. Sem dúvida, pela história, Medusa tinha todas as qualidades para ser uma grande ameaça que, por sinal, daí possa vir a razão da trama de sua morte. A simbologia que cerca sua morte mereceria todo um estudo, bem mais atenção e renderia belíssimas produções textuais, assim eu penso.
No entanto, um aspecto que envolve a figura da Medusa é o senso de justa medida, bastante divulgado pela expressão grega sophrosyne. Essa noção é bastante comum entre os gregos, mas Medusa é paradoxal em relação ao equilíbrio, à justiça, vejam o verbete: “Só se pode combater a culpabilidade oriunda da exaltação frívola dos desejos pelo esforço em realizar a harmonia, a justa medida, que é, em última análise, exatamente a etimologia de Medusa. Quem olha para a cabeça da Gorgo se petrifica. Não seria por que ela reflete a autoimagem de uma culpabilidade pessoal? O reconhecimento da falta, porém, baseado num justo conhecimento de si mesmo pode se perverter em exasperação doentia, em consciência escrupulosa e paralisante. Em síntese, Medusa simboliza a imagem deformada, que petrifica pelo horror, em lugar de esclarecer com equidade”(In BRANDÃO, Junito. Dicionário Mítico-Etimológico. Vol I. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991, p. 471).
Desculpe-me um pouco a divagação nesse tema, mas tentei fazer uma aproximação com a Filosofia a fim de enxergar o lado dramático da morte da Medusa. Fazendo a leitura apressada do mito da Medusa, a Górgona por excelência, que espraia seu olhar de morte por onde passa, podemos concluir que a tragédia de sua morte vem recheada de beleza no momento em que ela é decapitada por Perseu, o sangue jorra da asquerosa Górgona e evidencia seu poder criativo como se apenas a morte desse-lhe de volta o que havia perdido para sua rival Atená, sua beleza e seu orgulho. Portanto, a morte de Medusa é um encontro consigo mesma, com sua beleza e orgulho perdidos.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica



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quinta-feira, 19 de abril de 2012

O mito da Medusa


Discutir um pouco sobre a mortalidade da Medusa é, no mínimo intrigante, porque só ela entre as irmãs era mortal. Carregar a marca da mortalidade em sua natureza parece ser paradoxal entre os deuses, uma vez que surge naturalmente o clássico problema: Que te parece pior ou melhor, viver como um deus entre os homens ou como um homem entre os deuses? Parece-me que a questão da mortalidade de Medusa guarda esse problema. Mesmo não participando do mundo dos deuses e de seus privilégios por serem mais poderosos e gozarem da imortalidade, enfim, Medusa tem um poder que é dado a ela, o de assumir com autoridade as medidas apropriadas. Só ela é mortal, mas só ela também é Górgona, pelo menos em tese, pois se serve de um olhar habilidoso, feminino e terrível que petrifica, que mede e que julga. Ela Joga sobre nós o peso da mortalidade, transformando-nos em pó, mas também nos proporciona um alívio através do olhar cortante de morte. A morte também é bela e indica libertação, pois para Sócrates, bem mais tarde, a filosofia é um exercício para a morte. A morte segundo Sócrates, no Fédon, é um misto de prazer e dor. Aqui já estou conjecturando e nessa linha não vejo o que é pior nem o que é melhor, mas vejo a cara da força da vida que precisa de cuidado e de reflexão. A mortalidade não é obstáculo algum para o grego, mas superação de seus limites através dos jogos, das guerras, onde os heróis buscam assemelhar-se aos deuses com as suas conquistas, as glórias e a honra em perpetuar um nome. Talvez, para Medusa, a mortalidade não traga tanto enfado quanto a imortalidade para um deus. Independentemente das narrativas históricas que envolvem a figura de Medusa, o que mais me impressiona nela é sua autonomia frente aos homens e aos deuses, pois era temida. Os que são temidos geralmente sentem-se ameaçados. Sem dúvida, pela história, Medusa tinha todas as qualidades para ser uma grande ameaça que, por sinal, daí possa vir a razão da trama de sua morte. A simbologia que cerca sua morte mereceria todo um estudo, bem mais atenção e renderia belíssimas produções textuais, assim eu penso.
No entanto, um aspecto que envolve a figura da Medusa é o senso de justa medida, bastante divulgado pela expressão grega sophrosyne. Essa noção é bastante comum entre os gregos, mas Medusa é paradoxal em relação ao equilíbrio, à justiça, vejam o verbete: “Só se pode combater a culpabilidade oriunda da exaltação frívola dos desejos pelo esforço em realizar a harmonia, a justa medida, que é, em última análise, exatamente a etimologia de Medusa. Quem olha para a cabeça da Gorgo se petrifica. Não seria por que ela reflete a autoimagem de uma culpabilidade pessoal? O reconhecimento da falta, porém, baseado num justo conhecimento de si mesmo pode se perverter em exasperação doentia, em consciência escrupulosa e paralisante. Em síntese, Medusa simboliza a imagem deformada, que petrifica pelo horror, em lugar de esclarecer com equidade”(In BRANDÃO, Junito. Dicionário Mítico-Etimológico. Vol I. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991, p. 471).
Desculpe-me um pouco a divagação nesse tema, mas tentei fazer uma aproximação com a Filosofia a fim de enxergar o lado dramático da morte da Medusa. Fazendo a leitura apressada do mito da Medusa, a Górgona por excelência, que espraia seu olhar de morte por onde passa, podemos concluir que a tragédia de sua morte vem recheada de beleza no momento em que ela é decapitada por Perseu, o sangue jorra da asquerosa Górgona e evidencia seu poder criativo como se apenas a morte desse-lhe de volta o que havia perdido para sua rival Atená, sua beleza e seu orgulho. Portanto, a morte de Medusa é um encontro consigo mesma, com sua beleza e orgulho perdidos.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica



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